Tudo bem, tudo e contigo, também
Que atire o primeiro email quem nunca recebeu um que começasse com um “espero que este email o encontre bem”. À partida, sou eu que encontro o email e não o contrário, mas vá, pormenores. Se no email é comum suspeitar-se que o destinatário está bem, em encontros espontâneos na rua é unânime que todos estamos maravilhosos.
Isto é mais uma crónica sobre linguística simplificada com um pressuposto. Duas pessoas encontram-se e a primeira diz “tudo bem?”. A partir daqui, nasce um caos de falácias, ou uma honestidade disfarçada de felicidade.
Há quem diga “tudo bem?” e continue o seu caminho sem esperar pela resposta. E mesmo quando ela chega, por via de um “tudo e contigo?” já o primeiro interlocutor está longe. É só uma cordialidade. Não interessa assim tanto.
Há também a variante, mais comum em meios digitais, que é responder com um “também”, e está feito. Não sei se é só falta de hábito em ser muito sincero, ou então uma simpatia inconsequente. Parece uma perda de tempo porque ninguém costuma responder “não, estou muito mal”. Ou então só nunca me aconteceu a mim.
Fake it until you make it dizem os mais entendidos, que acreditam que dizer que estamos bem é o que nos deixa melhor. Não tenho estudos para saber tanto. Os meus findam-se em probleminhas que no fundo não chateiam ninguém, mas ocupam-se muito espaço mental.
A famosa lengalenga “tudo bem, tudo e contigo, também” cheira a juventude. Não esquecendo que hoje o jovem é dos 19 aos 35, mais coisa menos coisa. São segundos de conversa que não acrescentam valor, até porque transformam-se em algo tão banal e rápido de sair da boca que até depois de um funeral este início de conversa acontece. E já me aconteceu.
Acredito que isto seja uma conversa sem idade. Se há algo que define a idade, o estado de espírito ou a falta de otimismo são duas respostas tão simples, mas que dizem tanto.
“Vai-se andando” é algo que nos remete aos avós, aos pais mais tristes com a vida e sem esperança num mundo melhor. “Vai-se andando” serve para descrever as emoções pessoais ou a preocupação com o Sistema Nacional de Saúde. Dá para tudo, menos para ser uma resposta com esperança nos lábios.
E quem responde a um “tudo bem?” com um “tem de ser”? Não é tão oco como a primeira opção, nem tão pessimista como o segundo, mas tem as suas características especiais. “Tem de ser” é estar resignado, com a vida pessoal ou com o mundo em si. Também dá para tudo e não preocupa ninguém.
Sim, eu sei que dou demasiada importância a estas questões. Alias, tenho a certeza. O tamanho desta crónica não deixa espaço para dúvidas. E, no fundo, ter de lidar comigo já é difícil. Agora que deixo os meus dilemas a céu aberto, peço já desculpa por te aborrecer a ti também.
Esta crónica tem conclusão? Sim. “Fingir até parecer real” é a minha tradução livre da expressão que escrevi em inglês. Mas isto não conta como conclusão. A única coisa que se aprende é que eu não pergunto a ninguém se está “tudo bem”, pergunto antes “como estás?”.
Mentem-me igual, mas vou de consciência mais tranquila por me sentir ligeiramente mais honesto e interessado na verdadeira resposta. Mesmo que não esteja.