Ser pontualmente otimista é um atraso de vida
O título induz tanto em erro como eu quando digo que vou chegar a horas. Sejam elas quais forem. Até mesmo quando sou eu que as defino. Ser “pontualmente otimista” pode querer parecer que só sou otimista às vezes, mas não. Eu acordo quase sempre otimista, a sorrir e em silêncio. E é esta felicidade que me afasta de ser pontual.
Eu não sou o otimista que vê o copo meio cheio. Eu vejo copos a transbordar, tal é o sentimento de felicidade que ser otimista me traz. Excepto na minha relação com horários. Eu gosto de ser pontual. Mas sou pouco. Tal como gosto de nadar, e não me meto na água há mais de um mês. Excepto na banheira. Não nado, mas lavo-me.
Ser “pontualmente otimista” é acreditar que vou sempre chegar a horas, como se a estrada estivesse vazia só para mim. E que vou ter um lugar para estacionar sempre na primeira rua onde procuro. É acreditar que todos os transportes vão estar à minha espera. Talvez ter andado tanto de comboio me tenha feito repensar sobre o que é, de facto, um atraso. Tal como acontece com esta crónica que chega atrasada, mas só para mim.
Já ouvi dizer que as pessoas que chegam atrasadas são as mais felizes porque não têm preocupações, são espíritos livres e chegam sempre leves a qualquer hora. E ora, eu até me sinto isto tudo, mas não é pela minha falta de pontualidade. Apesar de, nas consultas, responder sempre com humor, não quer dizer que não esteja preocupado com a minha indecência. Mesmo quando só passa um minuto.
“A que horas está marcada a consulta?”, perguntam-me na recepção. “Há 5 minutos atrás”, respondo eu com um sorriso que é me é graciosamente devolvido 99% das vezes. Só não digo 100% porque a minha memória não é assim tão boa. Mais um defeito? Feitio? Talvez qualidade.
Sejam consultas, jantares, copos com amigos, ou até dates, chegar à hora marcada é ilusionismo. Chego sempre um bocadinho depois, ou um bom bocado antes. E enquanto, nos atrasos eu até sou ponderado, e nunca passo dos 15 minutos, nas antecedências sou descontrolado.
Já cheguei a uma consulta com 8 horas, 24 horas e até uma semana de antecedência. Eu sou tão otimista com o tempo com a minha memória. Aliás, eu duvido do que marco na agenda porque confio mais na minha memória, que me falha todos os meses. E adorava que estes exemplos fossem todos um exagero para efeitos literários, mas o realismo das minhas atitudes otimistas é demasiado para ser inventado.
Ainda vou a tempo de resoluções de ano novo, ou estou atrasado? De qualquer forma, só faço as minhas no meu aniversário, que é o meu ano novo. E talvez a maior e melhor resolução para 2024 seja ser pontual com a tolerância do lusco-fusco, 5 a 7 minutos.
Ainda tenho 3 semanas para me atrasar em tudo, sem ser um “atrasado”. Nem quero que esta crónica tenha sido um atraso de vida, tal como esperar por mim deve ser. Sinto-me no corpo de uma noiva que se atrasa de propósito, mas não sou assim tão bom para planear os meus atrasos.