Saudades de quem está longe
Esta crónica é um comboio, apenas porque também chega atrasada esta semana. Aqui e ao contrário de um comboio a sério, só se atrasou para mim no compromisso. À partida, mesmo quem estava à espera dela, não chegou para ter saudades nem atrasou ninguém para nada por ter vindo atrasada.
E por falar em atrasos, é exatamente isso que me acontece sempre que recebo uma mensagem de voz (voice). Sinto o meu entusiasmo em responder a ser esvaziado à velocidade de um colchão de ar rasgado. Excepto quando chega de longe.
Sou da geração que dispara mensagens e se desvia de chamadas com a agilidade de uma mota louca no meio do trânsito da cidade. Quando alguém está longe, o voice é o meio caminho que nos aproxima sem sair do mesmo sítio. É a oportunidade de falar, de ouvir e sentir que quem está longe nunca foi a lado nenhum.
Sem a pressão de sincronizar agendas por uma chamada para “meter a conversa em dia”, nem a chatice de a ter de quebrar por qualquer razão, o voice aparece como uma lufada de ar fresco e respeito mútuo pelo tempo e disponibilidade de cada um.
O voice é enviado, ouvido e respondido quando se consegue, ou quando se quer. É libertador e nostálgico, tudo no mesmo momento. O voice é o voicemail que eu nunca conheci. Com muita pena minha. Já só apanhei o voicemail deixado no telemóvel quando a pessoa não atendida, para ser ignorado pela mesma mais tarde e para sempre.
O voicemail, o original, parecia-me um conceito ótimo. Chegar a casa e ouvir recados de chamadas que perdemos, devolver as que queremos, um hino à velocidade muito menos acelerada do tempo. Como também não me apressei no nascimento, nasci fora de época. Pelo menos dessa.
Quem está longe, quando não manda voice, tenta a videochamada. Um formato diferente que nos deixa igualmente mais próximos. Se por um lado, o voice nos mete pessoas de quem gostamos a falar ao ouvido como se fosse um segredo, a videochamada aproximamos do abraço que continua longe.
A maior diferença, além da óbvia, é que o voice tem tempo limitado e a videochamda ainda não tem “autodefesa”. Uma simples chamada despacha-se com um “então, vá”, mas fazer isso cara a cara parece uma falta de respeito que apaga todo o momento carinhoso de uma videochamada num segundo.
Videochamadas é toda uma nova crónica, mas voices ainda têm umas notas finais. Se são um conforto e aconchego que quem está longe nos oferece, de quem está perto é um inconveniente. Ainda que comece sempre com um “vou enviar voice que é mais fácil”, mas será? Para quem?
Para quem envia, apenas, que pode divagar à vontade como se o tempo de quem vai ouvir não fosse importante. Raramente há objetividade porque é uma conversa que podia ser tratada em 5 minutos de chamada, meia hora de café, mas acaba em 17 minutos de um pseudo-podcast de egocentrismo.
E no fundo, esta crónica é o meu egocentrismo nas palavras que ninguém quer ouvir.

