Qual é o teu bichinho?
“Sempre tive o bichinho…” é uma frase muito ouvida nas artes e na comunicação. Parece que todos nasceram com uma missão de vida que estão a concretizar. É fruta da época em todos os talent shows, mas não só. E quanto mais ouço, mais sei que não tenho bichinho nenhum.
Esta crónica pode ser muito falsamente egocêntrica. Espero eu. Não sinto que seja, mas vou parecer. Tudo para tentar explicar o meu ponto de vista. Explicar a mim próprio, porque é a escrever que me entendo. Mas não, não “tenho o bichinho” pela escrita.
Escrevi e publiquei um livro, mas não sou escritor. É de poesia, mas não sou poeta. Tive um programa de rádio, mas não sou locutor. Nem animador. Até porque o programa, em grande parte, só me animou a mim. Também já dei aulas na faculdade sem nunca me sentir professor. Se não sou pasteleiro depois de fazer um bolo, porque haveria de ser isto tudo também?
Sou tudo sem ter nada, é tudo uma questão de títulos e da responsabilidade que cada um tem. E eu não sinto nenhuma. Talvez seja a falta de bichinho. Talvez não seja tão bom assim em nenhuma delas. Síndrome de Impostor é de certeza, mas com isso eu vivo bem.
Parece que ter bichinho é só uma forma simpática de ser positivamente obcecado. Quem tem o bichinho da música, faz tudo para viver disso. Vai a concursos. Canta na rua, em bares, na banheira. Partilha músicas no Instagram, TikTok, YouTube, e tantos outros. Faz do bicho o centro da vida, onde tudo o resto é paisagem.
Sou um “criativo que escreve coisas” porque é a que escrever que me divirto. Sou apaixonado pela escrita de coisas, mas poliamoroso em estilos. Não me comprometo com nenhum, mas quero estar com todos. Crónicas aqui, poemas por ali, frases soltas todos os dias.
É o momento em que a ideia surge que me dá brilho. E é a escrever que tenho prazer. Se escrever fosse sexo, ter a ideia é um beijo prolongado que suscita emoções e vontades. Escrever o texto é o ato em si (com mais ou menos orgasmos pelo caminho). E o último ponto final é também o meu fim.
É muito difícil terminar em simultâneo, porque os meus dedos não acompanham a minha mente. Cada um vai tendo o seu orgasmo à vez. E está tudo bem assim, porque na verdade, escrever é só uma espécie de masturbação. Da alma, da mente. Do coração. E também se faz com as mãos.
Agora, como é que eu explico a mim próprio que não tenho o “bichinho” da escrita depois deste cenário erótico entre mim e as palavras? Será só porque acho a frase esquisita? Bichinhos são animais pequeninos que andam na natureza, ou nos armários se forem os da madeira.
Quem tem o bichinho, vive com essa paixão para viver dela. E eu também sou apaixonado. Mas para viver disso é preciso, na teoria, ser muito bom. Não sei se sou. Nem sei se quero ser. É como aquele cliché de dizer que o casamento mata o amor. E eu, prefiro ficar só a namorar.