Planear um dia de nada
Pouco na vida me deixa tão feliz como escolher ficar em casa depois de um período fora. Não vibro entusiasticamente com a energia de quem gosta de aproveitar tudo a toda a hora até ao último suspiro, quando no fundo também é isso que faço. À minha maneira.
Demorei a descobrir o encanto de ficar o último dia de férias em casa, fechado dentro das minhas paredes, a matar as saudades de um sofá que não vai a lado nenhum. Demorei a perceber o prazer de quem se organiza para organizar o próximo dia. E sei o dia em que o estranhei tanto, que hoje não vivo sem. Quer dizer, vivo na mesma, mas vivo melhor assim.
É altamente improvável saber quando foi a primeira vez que conheci este conceito, de guardar um dia para separar o fim das férias do regresso ao trabalho, mas sei quem a disse em voz alta ao ponto de me deixar a pensar no assunto. Obrigado, Marina.
Nem sempre é preciso um dia inteiro. Às vezes é uma tarde. E se for um fim de semana, a noite chega-me. Não me deito mais cedo por isso, nem fico mais produtivo ou organizado na dona de casa que sou. Ainda não sei bem descrever o que sinto por ter um dia de nada, para mim, sem obrigações nem horas marcadas.
Pode parecer um isolamento opcional, uma meditação forçada, um descanso obrigatório de um corpo exausto. Mas não, nada disso. É quase o ritual de felicidade para alinhar o espírito desta alma sem espiritualidade alguma. É um conceito sem nome próprio, mas cheio de identidade.
Seja qual for o tempo que se dedica a esta transição, o resultado é sempre positivo. Talvez seja uma erupção de positividade para me carregar de boas energias, as únicas que o meu corpo consome e emite. Felizmente, são emissões quase sempre saudáveis para o planeta.
É uma das formas mais difíceis e prazerosas de saber estar sozinho. Ficar o dia todo no sofá a ver entrevistas é tão bom como lavar, secar e dobrar duas malas de roupa. Fazer 10 marmitas é tão saboroso como encomendar almoço e jantar. É um dia sem regras, sem consequências e sem resistir a um qualquer impulso.
Todas as decisões ficam à consideração do João do futuro, do João de amanhã. Tantos os problemas como as soluções. E por norma, dão-se bem. Os impulsos nunca são assim tão dispendiosos. Nunca me deu para comprar um barco porque tenho sempre Magnum à vista.
O prazer de um dia assim não se explica, sente-se. É uma felicidade contagiante que se prolonga no dia, é uma espécie de orgasmo cerebral, muito intenso e muito longo. Tal como os primeiros beijos de língua. A diferença é que, agora, sei perfeitamente o que estou a fazer.
É tão estranha esta imaturidade emocional de comparar um prazer tão adulto com um linguadão adolescente.