O meu cheiro não cheira a mim
Não conheço ninguém que não saia de casa sem um toque de perfume, água de colónia, creme hidratante ou protetor solar. Ou todos ao mesmo tempo. Recriamos o cheiro que queremos ter, mas será que sabemos mesmo a que cheiramos?
À partida, não. Não consigo cheirar o meu pescoço. Nem o peito, mas enchi-me de coragem para viver uma semana sem qualquer aroma espalhado na minha pele. Só usei gel de banho. Há mínimos. Estes são os meus. As coisas que eu não faço em prol da ciência.
Tudo isto pela ciência e pela descoberta de como o perfume transforma o que pensam de mim. Uma experiência egocêntrica, sim, mas quiçá com resultados para partilhar com alguém.
Já me disseram várias vezes que cheiro bem, até mesmo ao final do dia. Até mesmo pessoas sem qualquer interesse de me querer cheirar todo nu, que são as mais importantes para o estudo.
Cheirarem-me todo nu parece um fetiche. Não é. Foi só uma analogia para envolvimentos corporais demasiado próximos e que, sem querer, também envolvem o nariz. Envolvimento esse que, segundo dizem, também cheira a qualquer coisa.
Em tempos, aprendi que pessoas solteiras não devem utilizar perfume. Nem nada além do tal mínimo olímpico que é o gel de banho. Dizem que um humano solteiro, naturalmente à procura de acasalar, liberta feromonas para atrair o sexo pretendido. Aqui, sexo é o da pessoa, mas também pode ser a atividade lúdica.
E pela ciência lá me atirei eu a uma semana sem perfume, sem creme, sem truques. Andei de comboio e autocarro, andei em espaços públicos com pessoas variadas e fui testando, testando e testando. Ninguém me saltou para cima. Nem mesmo quando os transportes se tornam uma desculpa para aproximações esquisitas.
Acho que estes 7 dias são representativas. São já uma amostra real e fidedigna que comprova pouca coisa. Se calhar sou eu que emano poucas feromonas. Se calhar, são as pessoas que têm tanto perfume que não conseguem sair da sua própria bolha cheirosa.
Também foi uma semana para tentar descobrir o meu cheiro. O original. Mas não consegui. Até usei roupas mais frescas para nunca me sentir quente nem largar uma pinga du suor. Talvez estragasse as feromonas do acasalamento. Ou talvez foi só isso que faltava. Sem suar, como é que podia cheirar à mensagem certa?
Bem, pela ciência, talvez esta experiência tenha de começar do zero. Talvez tenha de se prolongar durante mais dias. Mas é aborrecido, porque quando estou ao pé de alguém que cheira desagradável, é a cheirar-me que me safo. Inspiro o meu perfume como se fosse um balão de oxigénio.
A ciência merece este esforço. Só não merece que eu invente isto tudo como desculpara para a preguiça de ir levantar uma encomenda que já devia existir no meu pescoço.

