Nunca um Airbus foi tão literal
Airbus tem uma grandiosidade que se despenha assim que se traduz. Air de ar e bus de autocarro, que é como quem diz “autocarro do ar”. E, feliz e infelizmente, os comportamentos são os mesmos. Só se distinguem por ser mais difícil andar à pica num que noutro.
Andar de avião já foi um luxo que eu nunca conheci. Onde se bebia whisky e se fumava charuto. Hoje, é só mais um transporte para destinos mais longínquos, mas com todas as semelhanças dos mais convencionais transportes públicos. Tal como autocarros e comboios, também os aviões tem um sítio exclusivo para circular.
Talvez a única diferença sejam as aeromoças e os aeromoços. Adotei português do Brasil por questões de sensibilidade com a classe operária. É que já mudaram muitas vezes de título para eu estar a par de qual é o certo.
Quase sempre ignorados quando explicam as regras de emergência, tal como se ignoram motoristas que pedem algo aos passageiros. É tão parecido que até se anda de autocarro antes de andar de avião. Como se fosse uma espécie de “é mais ou menos isto, habitua-te”.
Aliás, eu acredito profundamente que já nem é preciso colocar os telemóveis em modo vôo. Aposto que só se mantém esta lengalenga para evitar um barulho ensurdecedor de pessoas aborrecidas em scrolls infinitos. E é claro que a maior parte delas não ia ter fones.
Há um certo momento do voo em que as aeromoças transformam o avião num centro comercial ambulante. Largamente ignoradas, porque as pessoas gastaram tudo no voo ou querem gastar tudo no destino. E são ignoradas com a mesma destreza com que se ignoram pessoas que pedem moedas em transportes públicos.
As infindáveis semelhanças já me condicionaram a vida. É que eu só faço a mala umas horas antes de voar. Tal como acontece com as marmitas da semana que transporto no autocarro. É sempre tudo à última hora. Só nunca me lembro de fazer marmitas para o avião, que também davam jeito.
Isto não são críticas. Eu divirto-me muito a observar tudo, mas só para criar algum equilibrio, também quero destacar as coisas boas: o avião é o único transporte em que não preciso de me preocupar com sair no paragem certa.
Outra das coisas boas que ninguém fala é a possibilidade de ouvir histórias alheias com princípio, meio e fim, coisa que no autocarro é quase impossível. Pelo menos comigo. Tenho de sair quase sempre que a conversa fica interessante.
Podem-me chamar cusco. Eu prefiro “sociologicamente curioso”.

