Depois combinamos
Se esta crónica fosse um filme, começava com algo mais ou menos assim: Do mesmo criador de “Tudo bem, tudo e contigo, também”. Mas não é. É um texto disfarçado de segunda parte de outro.
Esta crónica é sobre que disse a mim mesmo algures em novembro “amanhã escrevo o resto” e esse amanhã só demorou 10 meses a chegar. Pode ser muito, pode ser pouco. É uma espécie de “depois combinamos”. Para quê reservar uma data que não vai acontecer?
Cresci a ouvir que mentir é feito e, como adulto, é o que mais ouço. É claro que “depois combinamos” entra numa categoria diferente. Sim, porque mentir em criança é uma estrada de sentido único e em adulto é um cruzamento com os semáforos avariados.
“Depois combinamos” é uma mentirinha inocente. Talvez uma simpatia sem promessa de o ser. Um gesto simpático e efémero até ao próximo encontro fortuito. Porque é sempre assim que nasce. De um encontro inesperado entre duas pessoas que se gostam e há muito não se vêem. Mesmo que não se gostem agora, já se gostaram nalgum dia.
É a pequena diferença entre encontrar um conhecido e um amigo. O primeiro é alguém para quem o “tudo bem, tudo e contigo, também” é eficaz. Mas o segundo exige mais. Mesmo quando a amizade se perdeu no tempo. Há uma nostalgia emergente na promessa de reatar uma amizade que ficou esquecida noutro momento.
É por isso que muitos dos encontros entre amigos de qualquer momento acaba com dois beijinhos e uma variação da promessa “depois combinamos”, tal como “temos mesmo de combinar”, “vamos combinar um café”. Nunca uma expressão que parece obrigatória se torna tão flexível ao esquecimento.
Quem solta a primeira saudade é porque ainda as tem. Pode ser uma amizade fechada num tempo e que agora apenas serve de recordação. Mas se a amizade perdida que apenas deixou ficar um carinho genuíno for de mútuo acordo, aquele “depois combinamos” nunca chega a vias de facto.
Quando um amigo fica imediatamente nostálgico com as glórias do passado e solta uma promessa de convívio futuro ainda antes da despedida, talvez seja uma amizade pendurada por falta de tempo que pelo menos alguém quer trepar. E, tal como noutras macacadas, é sempre melhor quando se trepa junto.
E até quando são mesmo dois amigos, que se vêem pontualmente, mas não tanto quanto gostavam, o “depois combinamos” é apenas uma questão de tempo. E tal como em todos os outros exemplos, também não vai acontecer.
Otimismo não me falta, mas também não tiro os pés da terra. Eu não minto sobre as promessas que faço, mesmo que saiba reconhecer quando me mentem com carinho. É como se fosse um abraço que já não faz sentido dar porque a proximidade já ficou distante.
Nada disto são mentiras, tudo isto são formas de amor.