As primeiras vezes não são assim tão boas
Existe uma pressão intrínseca em cada uma das “primeiras vezes” que temos ao longo da vida. Mas muitas delas são pouco marcantes para nós que nos estreamos em algo novo. Especialmente enquanto crianças, a “primeira vez” é uma festa dos pais.
A primeira papa, o primeiro cocó, a primeira ida à rua. Tudo isto é uma primeira vez marcante, mas se tudo correr bem, vamos passar o resto da vida a repetir tudo, todos os dias. As primeiras vezes que nos marcam são, por hábito, as más. Eu sei que comecei a nadar aos 2 anos, mas depois de 22 anos consecutivos na piscina, só se me tivesse afogado é que guardaria esse episódio na memória.
Eu só me lembro do meu segundo primeiro dia de faculdade. Conta como primeira vez, porque era um curso diferente. E a única razão pela qual me lembro é porque fiquei mais de uma hora na sala errada. O que ficou cravado na memória foi a minha falta de atenção com horários, e não tanto com o dia em si.
Tudo o que se torna rotina, deixa de ser lembrado. Não duvido que o primeiro dia de escola seja memorável, seja qual for a escola: creche, jardim de infância, ensino básico ou secundário. O primeiro dia é diferente de tudo o que já vivemos até aí, mas como lá vamos passar, no mínimo, 9 meses, acabamos por deixá-lo cair da memória.
Pensei muito sobre todas as vezes que “perdi a virgindade” de alguma coisa, sendo que, literalmente falando, é a única coisa que não vou escrever aqui. Sei onde e a quem dei o meu primeiro beijo, mas não me lembro do beijo em si. Há duas conclusões a tirar sobre isto: não foi o único beijo nessa pessoa, nem nada trágico aconteceu. Espero eu, pode ter sido uma tragédia tão grande que o meu cérebro preferiu apagar por completo.
Por mais marcante que seja o momento em si, quanto mais se repete, mais se esquece. E os beijos, para mim, são como concertos. E não é porque beijar alguém é música para os meus ouvidos. É porque, felizmente, já vi bastantes, mas não me lembro de todos. Lembro-me dos que mais me tocaram no coração.
Só assim explico o porquê de me lembrar tão bem do meu primeiro concerto. O Rui Veloso dá um ótimo espetáculo, o Pavilhão Atlântico estava cheio, cantei muito, mas a memória que realmente me ficou nada tem a ver com música.
Um senhor sentado perto de mim decidiu ir embora no “fim do concerto”. As aspas são apenas para representar que ele devia ser o único a não conhecer o que é um “encore”, ou então simplesmente não era otimista o suficiente para acreditar que ainda faltavam algumas músicas emblemáticas.
Sim, com o Rui Veloso, há demasiadas músicas que são obrigatórias e não nos podemos queixar se alguma ficar de fora, mas o senhor abandonou o concerto a meio da primeira grande ovação. Depois disso, o Rui Veloso continuou em palco durante mais de 1h e foi incrível. Acredito eu.
Sei quem fui ver, onde e com quem estava. Não me lembro de nada do que aconteceu a não ser do senhor que pagou um bilhete para ver meio espetáculo. Pelo menos no beijo, lembro-me de sentir muito mais que um concerto: foi um festival.