Alimenta-me de alegria às dentadas
Conforto é algo que se procura num sofá, literalmente ou não. Conforto é procurar pelo que se gosta, de sentir, de fazer, de comer. Principalmente de comer e é por isso que comida de conforto é um tema tão aconchegante.
Quando comecei a cozinhar, rapidamente percebi que tinha um prato preferido de fazer. Não era necessariamente o mais saudável, nem o mais apurado, nem o mais saboroso. Era um prato que me enchia de felicidade muito antes de me roubar a fome. Tinha 16 anos e já sentia esse conforto especial.
Aquele esparguete com atum, uma fatia de queijo e fiambre rasgadas sem jeito, tudo temperado com maionese de alho. E sem sal. Só de pensar, fico a salivar. Não pela nostalgia do sabor, mas sim pelo sentimento que o sabor carregava. Um estranho conforto que salvava um dia mau e aprimorava um dia bom.
Não muda uma vida, nem sequer tem impacto a longo prazo, mas é um sorriso à distância de uma dentada que pode chegar em diversos formatos. A felicidade chega à velocidade da fast food que mais se gosta. Mas a felicidade de comer o que se fez tem um gostinho mais especial que comer o que já está feito.
Hoje, apenas o esparguete se mantém na receita de conforto que cozinho para me animar. E mesmo quando não fica bom, a alegria momentânea está garantida. É o contrário de um bolo que muitas vezes corre mal quando não se respeita a receita na integra. Já na comida de conforto, para mim, a receita é só uma lista de ingredientes que, até quando mal cozinhados, me deixam contente.
Esparguete, qualquer um, com pesto, qualquer um, e ovos estreados de uma galinha qualquer, feitos em azeite. É claro que já tenho preferência, no esparguete, no pesto e nos ovos, mas mesmo quando tudo não é exatamente o que imaginei, é exatamente aquilo que precisava.
Não é terapia, é um pequeno prazer. Tal como o alívio de cortar as unhas do pé que estão grandes, tirar uma pedra do sapato, ou até pisar exatamente resvés a um cocó de cão. É uma alegria que dura muito pouco, mas dá confiança para a continuação, ou inicio, de um dia feliz.
Encontrar estas pequenas alegrias não é difícil, mas muitas delas são ainda mais efémeras quando estão à distância de um supermercado. Bolachas, chocolates, pipocas, amendoins, pão, a lista é infinita de tudo o que está pronto a comer e pronto a me animar. Mas cozinhar a alegria é um suplemento vitamínico muito mais intenso para a alma.
Talvez seja só uma questão de tempo. Comer bolachas dura a velocidade de um pacote, enquanto cozinhar é mastigar a promessa de algo bom que está quase a chegar. Não sei quando será a próxima vez que vou dar ao meu estômago a alegria que meu rabo sente quase todos os dias, no sofá, mas só pela minha própria descrição já vou dormir mais feliz.