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Crónicas no Bar da Praia

Às segundas, nem sempre sobre bares ou praias.

Crónicas no Bar da Praia

Às segundas, nem sempre sobre bares ou praias.

Acabei agora de ler uma carta antiga. De agosto. De 2023. Antiga na rotina que foi destruída. Antiga porque a vida já não existe para textos em envelopes. Receber uma carta já causa estranheza. “Só me escrevem para pagar alguma coisa.” E até os carteiros se esforçam para serem os melhores amigos das compras online.

Para o possível desespero deles, continuo a enviar cartas. E a recebê-las. Daqui para o Reino Unido e de volta aqui. Chateio carteiros de várias nacionalidades, porque imagino que seja muito mais fácil contar caixotes que envelopes.

Há mais de 1 ano que escrevo cartas para ela, que me encontrou no Instagram, para nos conhecermos no NOS Alive. Num mundo onde tudo se quer instantâneo, também esta amizade se criou assim. Eu sou daqui, ela é de longe, mas existe uma proximidade encantadora. E com o mundo na palma da mão, à distância de um WhatsApp, decidimos falar por correio verde.

É curioso eu estar a fugir do tema a meio do texto para o encher de contexto, tal como fujo da carta que ainda não escrevi. Porque escrever cartas é difícil. É parar no tempo. É ganhar consciência do que pensamos em formato de longa metragem. Vivemos em shots de 15 segundos e, escrever um carta, obriga-me à concentração de um filme sem intervalo.

Dou por mim a guardar um dia, uma hora, um momento, para ler o que ela escreveu. A mesma logística para a poder escrever. E assim se passam meses, sem me dar conta, mas sem me esquecer do que devo. Mais do que a carta que ela não vai receber, é o tempo que tenho medo de ser só meu.

É uma forma de terapia, porque o que cabe no carta é muito mais coração do que qualquer telemóvel aguenta. É o oposto direto ao multitasking. É um exercício de auto-conhecimento, porque os pensamentos que chegam à velocidade da luz, têm de esperar pela caneta e pelo papel. E enquanto se acumulam, criam espaço para novos, espaço para os que ficaram mal resolvidos.

A lentidão da escrita, que em nada se aproxima de um teclado, faz-nos parar num único pensamento, antes de o abandonarmos por outro melhor. Deixamos o lápis e a borracha do mundo digital, onde tudo se edita, apaga e renova, por uma caneta permanente que não deixa nada fugir.

A carta é um sintoma. É o expoente máximo da aceleração diária, com ou sem rotina, que me leva a correr até para onde não quero ir. Mas vou. Estar nalgum sítio e em sítio nenhum, querer fazer tudo e nada fazer.

Se não tenho tempo para ler uma carta, tenho tempo para quê? Se fujo de a escrever, fujo de quê? O que me falta para guardar tempo para o que quero? Não tenho respostas para nenhuma destas perguntas. E a única certeza é que amanhã guardei a manhã para lhe escrever.

Já não se lambem envelopes, e os sêlos são autocolantes.  É tão fácil voltar atrás no tempo sem sair do mesmo dia.

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