A trela mental não segura ninguém
Gosto muito de cães. Tanto quanto o medo que tenho deles. Mas há excepções: cães que adoro e com quem brinco, nunca tanto que possam parecer meus. Fobias à parte, eu quero é que os cães sejam felizes, mesmo quando isso implica perder a minha liberdade.
Imagino que este medo seja pouco comum, já que o espanto é quase tão grande como ser português e dizer que não gosto de queijo. Aceita-se melhor que este medo que preferia não ter.
Não interessa se ladra ou não. A cada aproximação, eu viro homem-estátua. Só não me pinto tanto.
"Ah, mas ele não faz mal" é tão verdade como ter uma pistola apontada à testa e o pistoleiro dizer "calma, eu não vou disparar." Em ambos os casos, é provável que não aconteça nada. Mas e se acontecer?
A confiança inabalável que os donos têm sobre o comportamento dos cães apenas me dá uma tremenda falsa sensação de segurança. As palavras parecem tranquilizantes, mas o medo é irracional, tal como o cão pode ser por dois milésimos de segundo. Ainda por cima tenho as pernas finas, sem chicha. Aposto que pareço dois ossos ambulantes muito apetecíveis de roer.
Tal como eu, há crianças que, por ver um cão a correr perto, ficam com medo só por isso.. E basta um pequeno susto, um ladrar imesperado ou um cheirar inocente, para marcar uma vida inteira.
Eu que o diga, e bem sei que qualquer cão que se aproxime, mesmo sem ladrar, é suficiente para me acelerar o coração, tanto quanto aquele microssegundo para roubar um primeiro beijo que não vai acontecer.
A diferença é que eu estou muito bem preparado para ter o coração partido e pouco ou nada para me partir a mim. Tenho muito mais equilíbrio emocional que físico, ambos fracos.
É por ter esta noção que deixei de frequentar praias no inverno. Por saber que os cães andam livres e soltos a correr e a brincar. O meu medo deixa-me no paredão a apreciar essa felicidade ao longe. O medo é inconsciente por não saber lidar com este "amor", mas consciente ao ponto de me proteger para o evitar.
E quando chega o verão, posso ter um bocadinho de praia para mim, ou é pedir muito? Se aguentámos 2 anos de máscara no focinho, os donos também aguentam segurar a trela alguns minutos por dia. Acredito que pelos cães fique tudo bem, há trelas pequenas para a cidade e compridas para o campo. Há trelas maiores que a ambição de um cão na praia. E escolher a melhor para cada ocasião parece-me mais fácil que decidir onde ir jantar mais logo.
Por mim, os cães podem e devem estar em todo o lado: jardins, passeios, praias, centros comerciais, cafes e restaurantes. Mas já que estamos todos tão pet friendly e conscientes para o bem estar animal, também podíamos ter praias onde cães podem andar soltos o ano inteiro e praias onde eu também possa ser feliz. Não a correr, mas feliz.
A todos os que passeiam cães de trela em qualquer lado, o meu profundo obrigado pela calma que me fazem sentir, apesar do meu medo apenas ficar mais contido. E se fosse o super-homem, os cães seriam a minha kryptonite. Não confundir com as moedas que se trocam de noite. E sim, o meu medo é tão idiota como esta frase.