A nostalgia de um cigarro que não fumei
O tabaco está cheio de promessas que se esfumaram antes de eu chegar ao mundo. Fumar é um vicio e um prazer. É dependência ou alegria. É invariavelmente pouco saudável, mas também faz bem ao coração. Figurativamente falando, claro.
O fumo é intenso e agarra-se até a quem nunca o quis. É espontâneo pelas emoções que carrega, pelo menos para mim, que me aborrece pouco. Não conheço ninguém que goste de ficar com o cabelo, a roupa ou o carro a cheirar a tabaco, mas é um cheiro que também sabe ser casa.
É indescritível a emoção que senti, esta semana, quando levei com o bafo de um cigarro que não pedi. Um cigarro dos “normais”, daqueles que se acendem com isqueiro e já se compram feitos. E o que não falta é variedade na essência, mas muito mais no formato.
Aquela pequena e fugaz nuvem de fumo, que dispenso de manhã mas fica indiferente a partir do meio-dia, transportou-me para o sofá do meu tio, onde víamos wrestling juntos. Dizem que as pessoas só desaparecem quando a memória se esfuma, mas aqui foi o fumo que devolveu um abraço invisível.
Tenho mais recordações do meu tio. Muitas. E nunca me lembrei dele quando eu próprio incendeio um cigarro, feito ou não por mim, mas ali, naquele instante, senti um tiro de carinho que mata uma saudade infinita. O fumo faz mal, bastante, mas este apareceu com um cheirinho a boas memórias.
Charutos, cigarrilhas e cigarros de qualquer feitio. Cada um com o seu cheiro e todos com a mesma sina: nenhum que faça bem. Nem aqueles de chocolate que foram banidos algures na infância, mas que me deixavam brincar aos adultos sem perder inocência.
Há inúmeras relações com o tabaco, quase todas negativas, mas nenhuma como a minha. Que eu saiba. Isto de ser arrogante por me achar único é tão falível como um castelo de cartas no Guincho.
Comecei a fumar por rebeldia, nunca às escondidas, com maços comprados a meias porque a abundância não me brindou a adolescência. Mais cigarro menos cigarro até fumar um que me deu prazer. Soube-me bem no sentido de querer e não parecer. E a partir daí, fidelizei.
Fumava quando me apetecia. Um por dia, 12 por noite, nunca de manhã, e uns tantos dias em que nem a vontade se acendia. Quase como um chocolate. Às vezes apetece-me. E foi esta a relação que mantive com o prazer que tinha no processo de enrolar e escolher a quantidade para marcar os pulmões (que continuam saudáveis).
Pouco tempo depois, anos mas não muitos, o tabaco foi descontinuado e deixou-me um vazio. Experimentei muitas marcas e nenhuma se aproximava ao prazer de um cigarro daqueles.
Ainda fumo. De quando em vez, sem a alegria desses tempos. É como ser louco por Ferrero Rocher e andar o ano todo a comer os outros que ficam nas prateleiras. É bom, mas não é a mesma coisa.