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Crónicas no Bar da Praia

Às segundas, nem sempre sobre bares ou praias.

Crónicas no Bar da Praia

Às segundas, nem sempre sobre bares ou praias.

Gosto de galas, de as ver, porque me falta talento para lá estar, “do outro lado”. Óscares, Emmys, Grammys, entre outros até aos Globos de Ouro. Os portugueses. A cerimónia para homenagear o melhor que se faz na cultura em Portugal durante o ano. Mas qual ano?

Apesar do habitual outubro, estes foram no último bafo de setembro. Se era para homenagear o melhor de 2023, outubro é um bocadinho tarde. Até para Portugal. Se for para homenagear o melhor de 2024, ainda faltam 3 meses. Não entendo, mas gosto de na mesma. Só não gosto das cadeiras vazias.

Os Óscares resolvem isto bem. Contratam figurantes para preencher as cadeiras quando alguém se levanta. Só para não se verem cadeiras vazias na transmissão. E têm razão. Fica sempre mais bonito ver uma plateia preenchida. E talvez sejam só voluntários, é mais barato. E se o fizessem aqui, eu ia.

Ver o Ricardo Araújo Pereira na primeira fila, sem ninguém ao lado, destroçou-me. Seria o mais perto que podia estar de escrever o guião da cerimónia. Não que ele o escreva, mas pelo menos já me sentia parte da cerimónia.

Gostei que tivessem sido as Três da Manhã a tratar do assunto. Ainda que escrever este tipo de frases me faça sentir ridículo. A minha opinião não é assim tão importante. Não sei de quem é o guião, mas gostei que fizessem a apresentação. Só não percebo o que faz lá a Clara de Sousa. Parece aqueles granizados de casamento entre pratos, uma espécie de limpa sabores, para limpar a azia de alguns “atingidos” das piadas.

Com mais ou menos vergonha, só vi pessoas a rir, até das piadas mais “duras”, “brutas”, “inconvenientes”, “desconfortáveis”, “quase negras”. Tanta palavra e nenhuma é a que queria escrever. Não sei como descrever, mas sei que adoro. Soam naturais, humanas, tal como os bocejos que se viam aqui e ali.

E mesmo quando não arriscam tanto no humor, eu gosto de quase tudo. Gosto de gostar de coisas. Só não entendo o “In Memoriam”, essa espécie de concurso de popularidade de defuntos, cujas palmas são diretamente proporcionais à fama. Podiam antes ir para publicidade, ou encurtar a cerimónia, cujo convidados, nomeados e vencedores acham ser demasiado longa. Até publicidade seria melhor.

É muito bonito fazer essa homenagem, claro, mas tanto aqui como nos Óscares, é um momento que podia facilmente ser apenas o obituário afixado na Casa do Artista.

Voltando ao humor, já que o meu não é grande coisa, “Portugal precisa de humor negro”. A frase é de uma amiga com quem fui ver o novo espetáculo da Bumba na Fofinha, que é um tanto ou quanto, e maravilhosamente, negro. E eu concordo, porque é este tipo de humor que desconcerta, que agita, que abana, que chega até a ser desconfortável.

Curiosamente, muitas das pessoas que evocam o bom que é “sair da zona de conforto” não sabem lidar com este tipo de humor. Porque para isso, é preciso ter os globos no sítio.

Quanto à música, nada a fazer. Nem à principal, nem às outras todas que se cantam naquela brincadeira entre aniversariante e plateia. Fujo sempre que posso quando me a querem cantar e aposto num bom playback sempre que me exigem voz afinada.

É uma formalidade dispensável, para mim, mas igualmente bonita por partir sempre de quem nos quer tão bem. E quando não estamos presentes para cantar, ou para um abraço real, resta apenas uma chamada ou mensagem. Consoante a geração, também vale uma foto, ou 37, quiçá um vídeo, tudo no Instagram para não falhar a parabenização pública.

Eu fico entre a geração do Instagram que rejeita chamadas a torto e a direito. Por isso, a única opção que me resta é enviar mensagem. Parece simples, mas há poucas coisas que me intriguem tanto quanto este ato tão simples. Enquanto as chamadas, tal como as músicas, nunca fogem dos mesmos clichés, nas mensagens há todo um novo mundo.

Primeiro, sobre enviar. Gosto do desafio de escrever uma coisa diferente, ano a ano, personalizado à pessoa, porque se vou dar os parabéns é porque me interessa o suficiente para querer mostrar um carinho. É um exercício giro, mas só nas amizades mais recentes.

E nas mais antigas, nas amizades que preservo há mais de metade da minha tão curta vida? Um simples parabéns parece insuficiente. A chamada que pode ajudar é evitável. O que dizer mais um ano a alguém a quem já declarámos amor tantos anos seguidos?

No mundo do amor, ano após ano, há coisas diferentes a dizer e, à partida, quem se gosta tanto que até se beija na boca raramente precisa de se desafiar numa mensagem já que faz questão de estar fisicamente presente. Acho eu. Que gosto de amor, mas percebo pouco.

Há pessoas a quem ligo, porque a amizade cresceu em chamadas, mas as mais antigas nasceram de convívios reais e trocas de mensagens infinitas. Fruta da época de uma adolescência que desvendou pacotes de SMS como se fosse o buffet de pequeno-almoço de um bom hotel.

É a pensar nesta forma de ser diferente, criativo, divertido, amoroso, ou outra coisa qualquer, que me atraso nas mensagens que quero enviar. Ando o dia todo a pensar no que vou escrever para começar sempre com uma forma de me desculpar pelo atraso de poucas horas.

Podia acreditar que funciono melhor sob pressão, mas é só mais uma desculpa. A única parte boa de me deixar levar pela meia-noite do dia a seguir é que fiquei a conhecer melhor que ninguém o fuso horário dos países que vivem horas atrás das nossas. E desculpei-me mais vezes com o Havai que com os Açores. Na verdade, devia era enviar a mensagem a horas.

Se isto é uma forma de escrever sobre nada? Sim. Se gostei? Também. E é assim que me atraso para mais uma mensagem de parabéns para alguém especial.

O tabaco está cheio de promessas que se esfumaram antes de eu chegar ao mundo. Fumar é um vicio e um prazer. É dependência ou alegria. É invariavelmente pouco saudável, mas também faz bem ao coração. Figurativamente falando, claro.

O fumo é intenso e agarra-se até a quem nunca o quis. É espontâneo pelas emoções que carrega, pelo menos para mim, que me aborrece pouco. Não conheço ninguém que goste de ficar com o cabelo, a roupa ou o carro a cheirar a tabaco, mas é um cheiro que também sabe ser casa.

É indescritível a emoção que senti, esta semana, quando levei com o bafo de um cigarro que não pedi. Um cigarro dos “normais”, daqueles que se acendem com isqueiro e já se compram feitos. E o que não falta é variedade na essência, mas muito mais no formato.

Aquela pequena e fugaz nuvem de fumo, que dispenso de manhã mas fica indiferente a partir do meio-dia, transportou-me para o sofá do meu tio, onde víamos wrestling juntos. Dizem que as pessoas só desaparecem quando a memória se esfuma, mas aqui foi o fumo que devolveu um abraço invisível.

Tenho mais recordações do meu tio. Muitas. E nunca me lembrei dele quando eu próprio incendeio um cigarro, feito ou não por mim, mas ali, naquele instante, senti um tiro de carinho que mata uma saudade infinita. O fumo faz mal, bastante, mas este apareceu com um cheirinho a boas memórias.

Charutos, cigarrilhas e cigarros de qualquer feitio. Cada um com o seu cheiro e todos com a mesma sina: nenhum que faça bem. Nem aqueles de chocolate que foram banidos algures na infância, mas que me deixavam brincar aos adultos sem perder inocência.

Há inúmeras relações com o tabaco, quase todas negativas, mas nenhuma como a minha. Que eu saiba. Isto de ser arrogante por me achar único é tão falível como um castelo de cartas no Guincho.

Comecei a fumar por rebeldia, nunca às escondidas, com maços comprados a meias porque a abundância não me brindou a adolescência. Mais cigarro menos cigarro até fumar um que me deu prazer. Soube-me bem no sentido de querer e não parecer. E a partir daí, fidelizei.

Fumava quando me apetecia. Um por dia, 12 por noite, nunca de manhã, e uns tantos dias em que nem a vontade se acendia. Quase como um chocolate. Às vezes apetece-me. E foi esta a relação que mantive com o prazer que tinha no processo de enrolar e escolher a quantidade para marcar os pulmões (que continuam saudáveis).

Pouco tempo depois, anos mas não muitos, o tabaco foi descontinuado e deixou-me um vazio. Experimentei muitas marcas e nenhuma se aproximava ao prazer de um cigarro daqueles.

Ainda fumo. De quando em vez, sem a alegria desses tempos. É como ser louco por Ferrero Rocher e andar o ano todo a comer os outros que ficam nas prateleiras. É bom, mas não é a mesma coisa.

 

09 Set, 2024

Depois combinamos

Se esta crónica fosse um filme, começava com algo mais ou menos assim: Do mesmo criador de “Tudo bem, tudo e contigo, também”. Mas não é. É um texto disfarçado de segunda parte de outro.

Esta crónica é sobre que disse a mim mesmo algures em novembro “amanhã escrevo o resto” e esse amanhã só demorou 10 meses a chegar. Pode ser muito, pode ser pouco. É uma espécie de “depois combinamos”. Para quê reservar uma data que não vai acontecer?

Cresci a ouvir que mentir é feito e, como adulto, é o que mais ouço. É claro que “depois combinamos” entra numa categoria diferente. Sim, porque mentir em criança é uma estrada de sentido único e em adulto é um cruzamento com os semáforos avariados.

“Depois combinamos” é uma mentirinha inocente. Talvez uma simpatia sem promessa de o ser. Um gesto simpático e efémero até ao próximo encontro fortuito. Porque é sempre assim que nasce. De um encontro inesperado entre duas pessoas que se gostam e há muito não se vêem. Mesmo que não se gostem agora, já se gostaram nalgum dia. 

É a pequena diferença entre encontrar um conhecido e um amigo. O primeiro é alguém para quem o “tudo bem, tudo e contigo, também” é eficaz. Mas o segundo exige mais. Mesmo quando a amizade se perdeu no tempo. Há uma nostalgia emergente na promessa de reatar uma amizade que ficou esquecida noutro momento.

É por isso que muitos dos encontros entre amigos de qualquer momento acaba com dois beijinhos e uma variação da promessa “depois combinamos”, tal como “temos mesmo de combinar”, “vamos combinar um café”. Nunca uma expressão que parece obrigatória se torna tão flexível ao esquecimento.

Quem solta a primeira saudade é porque ainda as tem. Pode ser uma amizade fechada num tempo e que agora apenas serve de recordação. Mas se a amizade perdida que apenas deixou ficar um carinho genuíno for de mútuo acordo, aquele “depois combinamos” nunca chega a vias de facto.

Quando um amigo fica imediatamente nostálgico com as glórias do passado e solta uma promessa de convívio futuro ainda antes da despedida, talvez seja uma amizade pendurada por falta de tempo que pelo menos alguém quer trepar. E, tal como noutras macacadas, é sempre melhor quando se trepa junto.

E até quando são mesmo dois amigos, que se vêem pontualmente, mas não tanto quanto gostavam, o “depois combinamos” é apenas uma questão de tempo. E tal como em todos os outros exemplos, também não vai acontecer.

Otimismo não me falta, mas também não tiro os pés da terra. Eu não minto sobre as promessas que faço, mesmo que saiba reconhecer quando me mentem com carinho. É como se fosse um abraço que já não faz sentido dar porque a proximidade já ficou distante.

Nada disto são mentiras, tudo isto são formas de amor.

Conforto é algo que se procura num sofá, literalmente ou não. Conforto é procurar pelo que se gosta, de sentir, de fazer, de comer. Principalmente de comer e é por isso que comida de conforto é um tema tão aconchegante.

Quando comecei a cozinhar, rapidamente percebi que tinha um prato preferido de fazer. Não era necessariamente o mais saudável, nem o mais apurado, nem o mais saboroso. Era um prato que me enchia de felicidade muito antes de me roubar a fome. Tinha 16 anos e já sentia esse conforto especial.

Aquele esparguete com atum, uma fatia de queijo e fiambre rasgadas sem jeito, tudo temperado com maionese de alho. E sem sal. Só de pensar, fico a salivar. Não pela nostalgia do sabor, mas sim pelo sentimento que o sabor carregava. Um estranho conforto que salvava um dia mau e aprimorava um dia bom.

Não muda uma vida, nem sequer tem impacto a longo prazo, mas é um sorriso à distância de uma dentada que pode chegar em diversos formatos. A felicidade chega à velocidade da fast food que mais se gosta. Mas a felicidade de comer o que se fez tem um gostinho mais especial que comer o que já está feito.

Hoje, apenas o esparguete se mantém na receita de conforto que cozinho para me animar. E mesmo quando não fica bom, a alegria momentânea está garantida. É o contrário de um bolo que muitas vezes corre mal quando não se respeita a receita na integra. Já na comida de conforto, para mim, a receita é só uma lista de ingredientes que, até quando mal cozinhados, me deixam contente.

Esparguete, qualquer um, com pesto, qualquer um, e ovos estreados de uma galinha qualquer, feitos em azeite. É claro que já tenho preferência, no esparguete, no pesto e nos ovos, mas mesmo quando tudo não é exatamente o que imaginei, é exatamente aquilo que precisava.

Não é terapia, é um pequeno prazer. Tal como o alívio de cortar as unhas do pé que estão grandes, tirar uma pedra do sapato, ou até pisar exatamente resvés a um cocó de cão. É uma alegria que dura muito pouco, mas dá confiança para a continuação, ou inicio, de um dia feliz.

Encontrar estas pequenas alegrias não é difícil, mas muitas delas são ainda mais efémeras quando estão à distância de um supermercado. Bolachas, chocolates, pipocas, amendoins, pão, a lista é infinita de tudo o que está pronto a comer e pronto a me animar. Mas cozinhar a alegria é um suplemento vitamínico muito mais intenso para a alma.

Talvez seja só uma questão de tempo. Comer bolachas dura a velocidade de um pacote, enquanto cozinhar é mastigar a promessa de algo bom que está quase a chegar. Não sei quando será a próxima vez que vou dar ao meu estômago a alegria que meu rabo sente quase todos os dias, no sofá, mas só pela minha própria descrição já vou dormir mais feliz.