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Crónicas no Bar da Praia

Às segundas, nem sempre sobre bares ou praias.

Crónicas no Bar da Praia

Às segundas, nem sempre sobre bares ou praias.

É raro termos uma segunda-feira em que a única conversa não é o ódio à própria segunda enquanto conceito de dia. Hoje, o prato do dia é terramoto. Ou seja, contínua a ser um dia monotemático, mas de certa forma exótico.

Escrevo este texto com a leveza de não ter sido uma catástrofe, fazendo deste dia só mais um em que algo inesperado acontece. E sempre que assim é, “as redes sociais incendiam-se” com memes, GIFs e qualquer outro formato que dê para fazer uma qualquer piada sobre o tema. Até no LinkedIn, onde os trocadilhos e as metáforas são um quanto ou tanto semelhantes, mas sempre com um toque de criatividade em regime B2B.

Sempre que assim é, sempre que acontece algo que rouba a atenção de 99% das pessoas (porque há sempre alguém isolado do mundo, seja ou não por escolha própria), começa uma corrida frenética pela melhor piada, o melhor meme, o melhor GIF, a melhor mensagem de WhatsApp. Todos vestimos a camisola de humorista por uns segundos para tentar a nossa melhor tirada.

Raramente me sinto capaz de contribuir. Imagino só que alguém disse o mesmo que eu pensei, mas não me impede de ficar atento e divertido a ver este espetáculo no meu camarote. Tenho apenas uma sugestão, que já vai tarde para este terramoto e fica em banho-maria para o próximo. Seja ou não literal.

Falta um concurso para fenómenos assim, inesperados e que nos fazem esquecer de qualquer outra coisa que aconteça. E na verdade, só um terramoto para conseguir roubar as atenções até do meio mundo que está ao sol, de férias.

Neste concurso, com júri e tudo, haveria categorias para cada formato, ou rede social, com nomeados e vencedores. Uma espécie de Óscares, sem budget e feito à portuguesa: em cima do joelho. Todas as candidaturas teriam de ser enviadas até 24h depois do acontecimento e o júri também só teria 24h para decidir.

E porquê tanta pressa? Porque setembro é já amanhã e o mundo volta ao normal, com mais pessoas a trabalhar que de férias. E também porque a partir de setembro há maior probabilidade de escândalos com celebridades e fenómenos climatéricos atípicos. Não é que agosto seja imune a isso, mas toda a gente se preocupa menos quando está de férias.

E quando o concurso começar, não me chamem para júri, nem para candidato. Vou continuar a ser público atento por tanto talento emergente. Portugal pode ter muitos defeitos, mas neste tipo de humor, ninguém nos pára.

Cada vez gosto mais do cinema como um espaço de lazer e meditação. E não, eu não pago bilhetes para dormir. Para isso já me basta as infinitas sestas que faço em todos os meios de transporte. Todos.

“Gosto muito de filmes e séries” é uma frase demasiado gasta, e ainda bem, mas leva-nos quase sempre a um cenário caseiro. O filme no sofá, com ou sem segundas intenções, a série para a hora de jantar e outra para depois. Os momentos de consumo são demasiados, mas pouco exclusivos.

Ver um filme deixou de ser um tête-à-tête para se transformar numa experiência demasiado susceptível de distração. Venha ela de onde vier, seja a campainha (de uma entrega de comida ou encomenda, porque na verdade, quem é que ainda abre a porta a uma campainha surpresa sem saber o que aí vem?) ou o telemóvel que representa, no mínimo, as distrações de um mundo inteiro.

Séries e filmes em streaming inspiram a necessidade de não parar de ver. O que se começa a ver em casa na televisão, rapidamente desliza para o tablet na cama, para o telemóvel no avião. O consumo deixou de ser uma experiência para ser um passatempo. Literalmente.

É aqui que entra o cinema. O esforço de sair de casa, pagar o bilhete e sentar numa cadeira por mais de 2 horas, em pura concentração, sem interrupção a ver um filme. E a publicidade. Nunca se perde a possibilidade de ser surpreendido por um bom “réclame”.

Claro que a distração aqui pode vir da plateia, mas sobre isso já eu escrevi e ainda é cedo para me repetir.

Olho para o cinema como se fosse um vôo sem sair da Europa. Chego demasiado cedo, quando ainda estão a limpar a sala e ainda nem se pode entrar, para depois colocar o telemóvel em modo avião e aí vou eu, em direção à sétima arte.

É uma necessidade. Cinema, mas também tirar os olhos do ecrã. Respirar dos olhos, ainda que seja para outro ecrã, maior e menos próximo dos olhos, mesmo ficando na primeira fila. E é talvez um dos poucos compromissos ao qual chego a horas. Sozinho ou acompanhado.

É bonito descobrir novos espaços onde podemos estar apenas connosco. Numa espécie de introspeção acompanhada de filme. E a verdade é que é uma das melhores desculpas para largar o telemóvel da mão. Política que mantenho no avião com a pequena diferença de trocar o produto final pelo guião, que é como diz, um livro.

Talvez esta segunda opção seja demasiado cara só para descansar os olhos de um pequeno ecrã e meditar de forma diferente. E ao contrário de Hollywood, eu não tenho orçamento para esse filme.

Pouco na vida me deixa tão feliz como escolher ficar em casa depois de um período fora.  Não vibro entusiasticamente com a energia de quem gosta de aproveitar tudo a toda a hora até ao último suspiro, quando no fundo também é isso que faço. À minha maneira.

Demorei a descobrir o encanto de ficar o último dia de férias em casa, fechado dentro das minhas paredes, a matar as saudades de um sofá que não vai a lado nenhum. Demorei a perceber o prazer de quem se organiza para organizar o próximo dia. E sei o dia em que o estranhei tanto, que hoje não vivo sem. Quer dizer, vivo na mesma, mas vivo melhor assim.

É altamente improvável saber quando foi a primeira vez que conheci este conceito, de guardar um dia para separar o fim das férias do regresso ao trabalho, mas sei quem a disse em voz alta ao ponto de me deixar a pensar no assunto. Obrigado, Marina.

Nem sempre é preciso um dia inteiro. Às vezes é uma tarde. E se for um fim de semana, a noite chega-me. Não me deito mais cedo por isso, nem fico mais produtivo ou organizado na dona de casa que sou. Ainda não sei bem descrever o que sinto por ter um dia de nada, para mim, sem obrigações nem horas marcadas.

Pode parecer um isolamento opcional, uma meditação forçada, um descanso obrigatório de um corpo exausto. Mas não, nada disso. É quase o ritual de felicidade para alinhar o espírito desta alma sem espiritualidade alguma. É um conceito sem nome próprio, mas cheio de identidade.

Seja qual for o tempo que se dedica a esta transição, o resultado é sempre positivo. Talvez seja uma erupção de positividade para me carregar de boas energias, as únicas que o meu corpo consome e emite. Felizmente, são emissões quase sempre saudáveis para o planeta.

É uma das formas mais difíceis e prazerosas de saber estar sozinho. Ficar o dia todo no sofá a ver entrevistas é tão bom como lavar, secar e dobrar duas malas de roupa. Fazer 10 marmitas é tão saboroso como encomendar almoço e jantar. É um dia sem regras, sem consequências e sem resistir a um qualquer impulso.

Todas as decisões ficam à consideração do João do futuro, do João de amanhã. Tantos os problemas como as soluções. E por norma, dão-se bem. Os impulsos nunca são assim tão dispendiosos. Nunca me deu para comprar um barco porque tenho sempre Magnum à vista.

O prazer de um dia assim não se explica, sente-se. É uma felicidade contagiante que se prolonga no dia, é uma espécie de orgasmo cerebral, muito intenso e muito longo. Tal como os primeiros beijos de língua. A diferença é que, agora, sei perfeitamente o que estou a fazer.

É tão estranha esta imaturidade emocional de comparar um prazer tão adulto com um linguadão adolescente.

Gosto muito de cães. Tanto quanto o medo que tenho deles. Mas há excepções: cães que adoro e com quem brinco, nunca tanto que possam parecer meus. Fobias à parte, eu quero é que os cães sejam felizes, mesmo quando isso implica perder a minha liberdade.

Imagino que este medo seja pouco comum, já que o espanto é quase tão grande como ser português e dizer que não gosto de queijo. Aceita-se melhor que este medo que preferia não ter.

Não interessa se ladra ou não. A cada aproximação, eu viro homem-estátua. Só não me pinto tanto.

"Ah, mas ele não faz mal" é tão verdade como ter uma pistola apontada à testa e o pistoleiro  dizer "calma, eu não vou disparar." Em ambos os casos, é provável que não aconteça nada. Mas e se acontecer?

A confiança inabalável que os donos têm sobre o comportamento dos cães apenas me dá uma tremenda falsa sensação de segurança. As palavras parecem tranquilizantes, mas o medo é irracional, tal como o cão pode ser por dois milésimos de segundo. Ainda por cima tenho as pernas finas, sem chicha. Aposto que pareço dois ossos ambulantes muito apetecíveis de roer.

Tal como eu, há crianças que, por ver um cão a correr perto, ficam com medo só por isso.. E basta um pequeno susto, um ladrar imesperado ou um cheirar inocente, para marcar uma vida inteira.

Eu que o diga, e bem sei que qualquer cão que se aproxime, mesmo sem ladrar, é suficiente para me acelerar o coração, tanto quanto aquele microssegundo para roubar um primeiro beijo que não vai acontecer.

A diferença é que eu estou muito bem preparado para ter o coração partido e pouco ou nada para me partir a mim. Tenho muito mais equilíbrio emocional que físico, ambos fracos.

É por ter esta noção que deixei de frequentar praias no inverno. Por saber que os cães andam livres e soltos a correr e a brincar. O meu medo deixa-me no paredão a apreciar essa felicidade ao longe. O medo é inconsciente por não saber lidar com este "amor", mas consciente ao ponto de me proteger para o evitar. 

E quando chega o verão, posso ter um bocadinho de praia para mim, ou é pedir muito? Se aguentámos 2 anos de máscara no focinho, os donos também aguentam segurar a trela alguns minutos por dia. Acredito que pelos cães fique tudo bem, há trelas pequenas para a cidade e compridas para o campo. Há trelas maiores que a ambição de um cão na praia. E escolher a melhor para cada ocasião parece-me mais fácil que decidir onde ir jantar mais logo.

Por mim, os cães podem e devem estar em todo o lado: jardins, passeios, praias, centros comerciais, cafes e restaurantes. Mas já que estamos todos tão pet friendly e conscientes para o bem estar animal, também podíamos ter praias onde cães podem andar soltos o ano inteiro e praias onde eu também possa ser feliz. Não a correr, mas feliz.

A todos os que passeiam cães de trela em qualquer lado, o meu profundo obrigado pela calma que me fazem sentir, apesar do meu medo apenas ficar mais contido. E se fosse o super-homem, os cães seriam a minha kryptonite. Não confundir com as moedas que se trocam de noite. E sim, o meu medo é tão idiota como esta frase.

Gosto de ver futebol e filmes da mesma forma, sozinho em casa. Há excepções, claro, para amigos, amores e família, mas em todas elas há muito mais que apenas “ver o filme”, ou o jogo, mas só tenho conclusões para a primeira opção.

“Ver o filme” com aspas, mas não pelas razões habituais. Não há segundas intenções no meu sofá. As aspas é para representar a impossibilidade de ir ao cinema e apreciar a arte na tela. E não, as aspas também não são para segundas intenções numa sala escura. Essas mentes…

Gosto de ir ao cinema. É um grande prazer, em especial às segundas-feiras em que a sala fica quase só para mim. É triste para o cinema, que não enche em dias mortos, mas demasiado bom para mim que posso ver, ouvir e sentir o filme tal e qual como o realizador imaginou. A minha televisão é grande, mas ainda não é daquele tamanho.

As pipocas, as bebidas, os telemóveis. Ah, espera. Já toda a gente escreveu, falou e se irritou com isso. Antes e depois de uma pandemia, nada mudou. Ou quase nada. Agora, há uma diferença entre os filmes infantis e os outros: o intervalo, que só existem para os miúdos.

Percebo a necessidade, mas já não estou habituado a ter no cinema aquilo a que fujo em casa: as interrupções. Mas os menores de idade que se tentam divertir com o filme ainda não têm resistência na cabeça, em ambas, para estar tanto tempo concentrados no filme.

A frase anterior saiu demasiado masculina, talvez seja eu a ficar infantil com o tema. Tal como todos os adultos que levam crianças para um filme sem o mínimo de preocupação pelos outros que também lá estão.

Enquanto vi o filme, ou tentei, vi pessoas a pesquisar coisas no telemóvel, outras a comentar a ação mais alto que o próprio filme, e ainda outras que já não me lembro. E não vou dizer as idades de cada a atitude por ser irrelevante: são adultos a querer ser crianças.

Estar no cinema é um tubo de ensaio para a vida em comunidade e a despreocupação dos adultos com as suas crianças é estranho. Para mim. É como se aquelas 2 horas fossem uma espécie de descanso, “o filho agora não é meu, é do cinema”. Filmes infantis são a desculpa para alguns adultos o voltarem a ser.

Seja qual for o tipo de filme, será coincidência que quanto menor o attention spam, maiores são os filmes? Será porque os realizadores já dão como perdido que ninguém vai ver aquelas 3h seguidas sem espreitar o telemóvel? Eu gosto do desafio e é por isso que os vejo sozinho.

PS. Não me oponho a companhia, mas quanto mais me atrai, mais me distrai. E é com este tipo de frases que eu continuo solteiro.