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Crónicas no Bar da Praia

Às segundas, nem sempre sobre bares ou praias.

Crónicas no Bar da Praia

Às segundas, nem sempre sobre bares ou praias.

Estar apaixonado é incrível. Acho eu, que sinto sentimentos a mais, e mesmo assim guardo-os todos para uma só pessoa. Nem sempre a mesma. Pelo menos por enquanto. A minha paixão é monogâmica, mas na amizade não tenho controlo. Sou poliamoroso.

A paixão é um incêndio florestal, descontrolado, que arrasa tudo o que lhe aparece à frente. Mas em bom. Já o amor é um crescendo de carinho e orgulho, por várias pessoas ao mesmo tempo. Também tem paixão à mistura, mas onde um abraço apertado seria um linguadão.

Caso ainda não esteja explícito, e apenas para efeitos de crónica, a paixão é para namoros e casamentos, enquanto o amor fica para os amigos e amigas. Sim, isto é uma declaração de amor, desgosto, ciúme e felicidade, dedicado à amizade.

Amo amigos, amo amigas, amo pessoas que me são muito, mesmo sem nunca dizer um “amo-te” a nenhuma. Como se essa palavra estivesse reservada para outras coisas, outros amores. E de facto, sem esta, não tenho palavras para mais.

Se as imagens falam mais que mil palavras, os abraços são poesia. Daquela bonita.

“A monogamia é uma convenção social”. Tudo certo. Até gosto. Guardo o poliamor para os amigos que tenho, já que é tudo igual. Na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. E no ciúme. Até que a morte nos separe, porque perder amigos que não morreram é um luto a céu aberto.

O fim de uma relação amorosa tem o seu ritual, o seu caminho, os seus clichés, e mil e uma comédias românticas, mais ou menos dramáticas, para ajudar a pintar a dor, repletas de dicas de como continuar a viver atrás do próximo. Mas nos amigos não é bem assim.

Cortar relações amorosas é das coisas mais difíceis de fazer, sendo a mais fácil quando comparada ao corte de uma amizade. É um coração partido que ainda não sei desenhar. Essa coisa bonita que é um acaso até não se imaginar o que é não a ter.

Não se procuram amigos novos para substituir os antigos. Há amigos que se afastam e se aproximam. Há amigos com quem falamos todos os dias, ou com quem poucas palavras trocamos até ao próximo encontro. Há amigos para conversar num banco de jardim e outros só para o silêncio de ler um livro.

Há amigos de uma vida que nunca fogem e outros que só vivem para os grandes momentos. Há amigos do trabalho do tamanho de um contrato e outros que furam o profissionalismo sem medo de ficar para a vida toda.

A amizade é muito mais confusa e intensa que amor. Eu sei quem quero beijar (e não só), tal como percebo quando não é recíproco. Sou apaixonado por me apaixonar, mas não percebe nada deste amor amigo. Vivo bem sem beijos, mas não sei lidar com a distância de um abraço.

Gosto de ver fotos e vídeos de pessoas que andam atrás do mundo como se fosse de um comboio. Gosto de ver, mas só por vontade própria. Enfiarem-me 396 fotos de um fim-de-semana “super giro” continua a ser incómodo. Principalmente quando o destino tem pouco de encantador para me impressionar em fotos. Tal como, sei lá, um qualquer.

Se eu quiser muito ver um sítio vou ao Google. Ou, na loucura, compro uma viagem para lá. Menos para São Miguel (Açores). Só no ano passado vi demasiadas fotos iguais tiradas nos mesmos sítios.

“Ah, mas ao vivo é muito diferente”. Verdade, mas como é que é aquela frase de só termos uma oportunidade para causar uma boa primeira impressão? Pois, a Lagoa das Cidades já me causou muito mais que 7 impressões. Contudo, é um mau exemplo porque quero lá ir na mesma.

Continuo a dizer que gosto de ver fotos e vídeos de pessoas que vão a sítios. Mesmo que me roube a surpresa, deixa-me confortavelmente descansado em saber que, se não for lá, já sei como é. E é capaz de ter sido assim que começou o Instagram. Alguém sem tempo de ir onde queria, ou farto de ser obrigado a ver fotos de férias de amigos sem o menor sentido estético. Vivam as influencers que têm muito jeitinho.

Vejo com gosto pessoas que correm de cidade em cidade e contam países. Madrid é Espanha, Paris é França e Roma é Itália. Bali é Bali e Nova Iorque é New York. Como se uma cidade fosse o país inteiro, mas outras não. Contam países como quem conta imperiais, a meio da contagem já vai tudo torto.

Talvez seja uma competição para a qual não fui convidado. Ando feito parvo a viajar várias vezes para o mesmo país para o ver todo. Já perdi a conta às cidades e vilas espanholas, mas se me quiser gabar, só conta por um?

Enfim, continuo a gostar de quem tem a energia e o foco para chegar ao destino a pensar no próximo. A pressa é muita. Eu percebo. Antes que acabem países ou apareçam uns novos. Ou que o mundo acabe. Todas as razões são boas. Aplaudo o poder decisão de escolher um só quando se deseja o mundo inteiro. É como preferir ser pontualmente monogâmico em vez de deixar todas as relações abertas.

Deixo o meu obrigado a quem já me levou a sítios que eu nunca quis ir. Alguns ainda quero, não sei quando nem como, mas obrigado a quem me já me deixou espreitar como se eu também lá estivesse. Talvez seja a única forma de viajar sem apanhar um escaldão.

Às vezes, acho que o excesso de ambição de quem quer pôr um pé nos países todos me roubou a energia de também querer ir. Eu também gosto de viajar. Muito. Mas por muito que pense em destinos exóticos, remotos ou populares, distraio-me sempre em querer ir onde me vão buscar. Para quê viajar o mundo se já sei onde mora o meu?

Tenho o coração partido e espalhado pelos países onde tenho amor. Conhecer sítios novos é incrível, mergulhar noutros mares também. Experimentar a gastronomia de tascas por aí é do caraças e perder-me onde nada conheço também. Mas descobrir as saudades que tinha dentro de um abraço de quem vive longe aquece-me muito mais que qualquer aquecimento global.

Gosto de palavras. De dizer. De escrever. Mas há imagens que valem mais que mil palavras, só não sei quanto vale o meu olhar. E por mais óbvio que seja, como te vejo, só não sabes se não quiseres. Eu bem te olho, mas quase sempre de óculos de sol.

Há quem tenha o coração na boca. O meu salta à vista. Não deixo que o sentimento me fuja por entre os dentes, mas tenho sempre as emoções à flor da íris. Seja no que quero dizer, ou no que ouço, sinto muito não reagir tanto quanto o que sinto em excesso.

Mas isto não é uma crónica de um romântico com falta de coragem, é apenas sobre amor, palavras e amor nas palavras. É por isso que uma pergunta tão simples, como “queres vir?”, me pode emocionar muito mais que as possibilidades de resposta.

“Bora” é um sim com entusiasmo e cheio de vontade, é a felicidade do que ainda não aconteceu. “Quero” é um sim com pragmatismo, com a desconfiança saudável e inconsciente do que poderá ser. “Pode ser” é um sim, sem força e esperança, é um frete com data marcada. É um sim “já que não tenho nada melhor que fazer”. Mas tendo em conta que há tanto para fazer a toda a hora, quase que pode ser um sim elogioso, mas não acho.

A conclusão foi sempre a mesma. É para ir. Mas a energia e a emoção com que se vai , e a que sente antes de ir, são incomparáveis. E nem interessa muito o destino, visto que ainda se vendem canecas a dizer que o importante é a viagem, ou seja, a companhia.

É este o meu amor, doentio, pelas palavras e pela emoção que carregam. Ainda mais hoje, que todos escrevemos tanto uns para os outros, com mais ou menos cuidado, mas sempre conscientes que a forma de escrever é também uma janela para a personalidade. Ou para o estado de espírito. Ou para os dois.

É claro que um “pode ser” de 3 pessoas diferentes não significam, nem de perto nem de longe, o mesmo. Cada pessoa tem a sua forma de escrever habitual e a mudança traz suspeita. Pelo menos a mim, que me desfoco das palavras ditas para me focar nas escritas. 

O estilo de escrita é a inconsciente na ponta dos dedos, mas alterá-lo pode ser uma chamada de atenção. É fácil alterá-la intencionalmente para manifestar qualquer coisa, mas não é isso que me interessa. São os pormenores. As vírgulas. Os pontos finais. Os emojis e a falta deles. Tudo o que é hábito se sente normal, mas é no erro que está o encanto.

E nem é no erro ortográfico. Esse interessa-me pouco nesta análise emocional, natural, e muito sem querer que faço de cada um. Mas já que faço este desvio, quem se diz “nazi da gramática” está sempre a criticar ortografia. É muito diferente. E indiferente por agora.

É por isto que gosto de repetir que gosto de ti. É a minha forma de te contar o que os meus olhos gritam sempre que te vêem. A ti. A ela. A ele. Quero tanto dizer que gosto de ti que só deixo as palavras sair quando estou longe. Tudo para não perder um segundo de ti.

Mais texto, mais foto, mais vídeo, mais tudo. Podia ser a definição de cada rede social, por mais que se venda uma ideia muito bonita do que é. Tudo aos gritos para ser visto, lido e ouvido por todos sem querer saber muito de ninguém.

Olha que giro, eu a destacar uma problemática atual e que não interessa assim tanto ao mundo para depois publicar uma crónica onde, no fundo, também quero ser ouvido. Ou melhor, lido. Não tenho dicção para tanto texto.

Nunca o ser humano leu tanto na sua história. Não é que sejam livros e literatura clássica, mas o tempo que se passa a olhar para o telemóvel é provável que seja a ler qualquer coisa. Até sem querer. No mínimo, as legendas de mais um vídeo.

No Threads, a última que conheci e que privilegia o texto, mas também tem tudo o resto e mais mensagens de voz, parece que todos queremos falar ao mesmo tempo. Aos gritos. Pelo menos na minha cabeça. Todos sem a mínima vontade de ouvir o contraponto.

Não somos todos ouvidos, mas queremos que sejam todos espelhos. De nós próprios. Que é quem realmente importa.

Pela mesma lógica, também nunca escrevemos tanto como hoje. Tudo isto são dados que apurei com esforço e dedicação, horas de trabalho, e algum senso comum. Na verdade é só perspetiva. A minha. Sou parte do problema e da solução que já vai partida.

Há quem escreva e fale com a falsa sensação de querer retorno. Há quem o faça só com o objetivo de o ter. Não pelo prazer de conversar ou debater uma ideia. Apenas com o único propósito de ter mais engajamento, mais seguidores, mais tudo. No digital.

Quem quer conversar só vê degraus para poder subir. Só assim se explica as perguntas como “primeiro o leite ou os cereais” e todas as outras, iguais na forma e apenas com palavras diferentes, para procurar o confronto de quem não quer mudar de ideias. E no fundo, nenhuma dessas questões é assim tão importante. E os cereais primeiro, claro.

Perguntas destas não têm conclusão. Quem faz a pergunta só quer ver quem tem ao seu lado. E quem pensa diferente, no fundo pensa igual. São perguntas sem crença alguma que se expõe como se fosse religião. Sempre com a vontade implícita de converter alguém ao que acreditamos. Seja Cristianismo ou ananás na pizza.

Será entretenimento? Também. Inconsequente é de certeza, mas é assim que nos deixamos viver na espuma dos dias. E o que será esta espuma? Não sei, não procurei, e também não vou procurar “fiéis” que saibam para os converter ao esquecimento de deixar uma frase ser só isso: palavras soltas que juntas parecem alguma coisa.

Esta crónica não acrescenta nada. A mim, deu-me leveza por andar a carregar este tema comigo há dias. Talvez seja o ponto de partida para um outro alguém pensar o mesmo e concluir tudo diferente. Até lá, vamos todos continuar apenas e só a encher chouriços.

Dedicar uma crónica, mais uma, ao que se faz na casa de banho, especialmente enquanto a escrevo no domingo de Páscoa, parece-me, no mínimo, digno e requintado. Contudo, com as doses de doces, amêndoas e ovos de chocolate que comi, a dignidade vai perder-se muito em breve.

Enquanto espero, mas não desespero, que a barriga me dê horas, penso sobre o quanto a poltrona me aproximou do que sou hoje. Sou aquele que vai com tempo para desperdiçar e com muita vontade de ler. É quase certo que, em alguns anos, foi sentado com as calças nos tornozelos que mais enriqueci o meu vocabulário.

Em todas as casas que vivi, que não foram muitas, nem poucas, a única literatura à mão eram pacotes de toalhitas e papel higiénico, shampoos e géis de banho por usar. Tudo por abrir, como se precisasse de ler os rótulos para saber como os esfregar em mim. Já lavei o peito com shampoo para cabelos secos. Não por analfabetismo, só por excesso de penugem.

Em momentos de aperto, figurativa e literalmente, até as pastas de dentes serviam para me entreter. Não me lembro nada do que li nas minhas casas de banho, mas recordo com saudade tudo o que li em casa de banho alheia. Em casas familiares, para o coração e para o rabo que já conhecia a sanita, lembro-me do muito que li.

Sempre estranhei, tanto quanto agradecia, ver ali revistas e livros. As páginas não ficavam moles com a humidade de um banho? Nunca uma lavagem de dentes acabou a manchar uma capa? Era uma preocupação minha, mesmo estando lá com outras intenções.

Li Marias e Marianas, Nova Gente e Selecções. Li banda desenhada e talvez tenha borbulhas que nunca viram o sol por me esquecer do tempo que lá ficava. Quase sempre a ler. Estranhamente confortável, até a perna ficar dormente. Curiosamente, nunca ficaram as duas, mas deve ser uma questão de tempo.

Hoje, na minha casa, contínuo preocupado com a humidade que estraga papel e não guardo lá qualquer literatura. Mas nunca entro sem. Os rótulos de tudo estão longe do meu alcance, mas o livro debaixo do braço nunca me deixa sozinho.

É dos momentos mais saudáveis que tenho na vida. Cedo à tentação de levar o telemóvel na mão, porque isso já me distrai o dia todo. Faço da poltrona o meu espaço de meditação, onde há wi-fi e pouca vontade de me ligar. E sabendo que o ecrã do telemóvel é mais sujo que o tampo da sanita, acho nojento estar com ele entre as pernas.

Para mim, que gosto muito de ler, não sei ler em casa sem ser no sítio do costume. Leio em cafés e comboios ou esplanadas barulhentas à beira-mar. Não me concentro no sofá nem na cama, pelo menos para ler, mas até me esqueço do tempo quando estou de livro entrepernas ao léu.

Não faço ideia do que será feito de mim com prisão de ventre, mas na falta de melhor ideia, fica uma crónica de merda.