A estrelar uma crónica pouco clara
Ainda não sei se gosto do que escrevo, mas sei que gosto de escrever. É tal e qual um ovo estrelado. Não sou muito bom a fazê-los, mas gosto demasiado de os comer. Portanto, escrever e comer ovos estrelados têm a mesma importância para a minha vida. Ou como se diz agora, para a minha saúde mental.
Já para a outra saúde, nenhuma destas atividades é útil. Os ovos são fritos e para escrever preciso de estar sentado. É verdade que uso azeite e não óleo, mas também escrevo no computador e não em folhas de papel. Não altera assim tanto o prazer.
O ovo estrelado é como qualquer um dos meus textos. Raramente sai como imaginei e quanto mais confiante estou, pior o resultado. Claro que o ovo só eu é que como, enquanto a crónica pode ser “saboreada” por qualquer pessoa. Às vezes, o ovo deixa-me indisposto, mas espero que as minhas palavras nunca tenham oferecido diarreia a ninguém.
Curiosamente, o conteúdo do ovo é uma espécie de diarreia de galinha. Também é liquida e às vezes cheira mal. Já estas crónicas, são a minha diarreia mental. E o pior é que eu não tenho Imodium. Nem bananas.
Até onde consigo esticar este tema, que uma crónica e um ovo estrelado são a mesma coisa? Normalmente, eu parto para a crónica sem partir a cabeça a pensar no tema. Já o tenho bem cozido durante a semana e depois é só deixar fluir. E normalmente sai com a alegria de um ovo cozido que se despe da casca quase sem ajuda.
Ainda sem tema para esta masturbação mental semanal, fui jantar. Tirei a frigideira da gaveta, o azeite da prateleira e a caixa dos ovos da despensa. Não tinha ovos. Comi torradas. Também gosto, mas não é a mesma coisa.
Aproveito para fazer um pequeno desvio antes de voltar às crónicas do ovo estrelado. Faço questão de dizer que é a minha “masturbação mental semanal” porque o faço com as mãos, sozinho e porque gosto, mas também porque tudo o que é diário perde algum valor. E escrever uma crónica todos os dias não seria masturbação, seria maratona. Porque demora muito mais tempo até se chegar à meta. E às vezes desiste-se pelo caminho.
Nesta longa analogia que estou a improvisar, mas que cada vez me faz mais sentido, não sei o que é a clara nem a gema. Muito menos o pão ou o esparguete. Não é engano, é acompanhamento.
A clara talvez seja o número de leitores. Nunca sei bem o tamanho. Varia e sabe-me sempre bem. Enquanto a gema é a minha opinião sobre o que escrevo. Às vezes está seca, a gema e a crónica, mas também fica tão molhada e deliciosa que até chupo os dedos. Metaforicamente, que eu não gosto das teclas sujas.
Queria estrelar um ovo e acabei a fritar a cabeça.