Anda espetar, tu espetas bem
Gosto de ir à praia, de ir leve como a areia. Calções e toalha, chinelos e óculos de sol até podem ser um extra. O mínimo indispensável. Mas para quem não tem casa na praia, o caminho não se faz com tanta simplicidade. Ir à praia pode ser (e muitas vezes é) uma pequena odisseia de materiais e mantimentos, onde tudo o que falta é mais caro no destino.
De todas as coisas, até porque comer pode ser no lugar que dá nome a estas crónicas, é preciso protetor solar e chapéu de sol. E não é só uma questão de sombra ou frescura, é também porque funciona como closet a céu aberto, sem cabides, com roupas, bolsas e tudo o que criativamente se aguente lá.
É na espeta do chapéu que está uma das grandes ciências da praia. Não é por acaso que em todas se vendem lugares com chapéus que não voam com o vento. Já sobre os chapéus que não pernoitam na praia, a história é outra. Quem transporta o chapéu até ao areal, seja ou não quem o guarda em casa, é quem fica responsável pelo seu espetanço na areia, que apenas parece movediça pelo esforço em fixá-lo na areia.
Nunca vi um “espetador de chapéus” a oferecer os seus serviços, nem tão pouco vi quem pedisse ajuda para espetar o seu. Aparentemente inocente, é uma tarefa que orgulha quem a faz, como se espetar fosse também digno de prémio Nobel. E nalgum sítio, metaforicamente falando, é capaz de ser.
É o final do espetanço do chapéu na areia que determina o início da atividade lúdica, tal como tirá-lo marca o seu fim. Excepto quando o chapéu sai de livre e espontânea vontade, inspirado pelo vento a ser um objeto em liberdade. Nesse caso, a praia também acaba pouco depois dele sair do sítio, mas o único a abandonar é o desgraçado que leva com ele. Com o chapéu.
Este é um dos temas que posso falar na ótica do utilizador. Nunca corri atrás de nenhum. Na verdade, só de pensar em correr, prefiro até nem levar. Já se quisermos discutir o impacto de um chapéu voador no corpo humano, tenho coisas a dizer.
Dói um bocadinho, mas não mata, especialmente em praias pequenas onde o chapéu tem pouco por onde ganhar velocidade. Estava sentado numa rocha, como se fosse um modelo num catálogo de sungas, quando sinto o espeto a vir na minha direção. Ver, que é como quem diz, sentir, porque foi tudo imediato. Como resultado, fiquei com uma cicatriz que parecia uma estrada da Serra da Estrela, das costelas ao umbigo. Dei um mergulho para acelerar a cicatrização e pensei “há filmes em que as cicatrizes aumentam exponencialmente a sexyness da pessoa”.
Fiquei feliz com a ideia, mas não engatei ninguém. Talvez porque escondia a cicatriz com demasiado creme, talvez apenas porque estava comprometido. Prefiro não saber a resposta.